Piquerobi faz festa para receber irmãs siamesas, Allana e Mariah, após separação craniana
27/11/2023 - Meninas ganharam carreata e celebração religiosa especial.
Moradores de Piquerobi (SP), no extremo oeste do Estado de São Paulo, fizeram uma linda festa na tarde deste sábado (25), marcada pela forte emoção e pela felicidade, para receber de volta as irmãs gêmeas Allana e Mariah, que nasceram siamesas e passaram por tratamento para a separação craniana ao longo de três anos, culminando com uma uma cirurgia que durou 25 horas, em agosto passado, no Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto (SP).
Após mais de três anos vivendo uma rotina completamente diferente daquela com a qual estavam acostumados, Talita Ventura Cestari e Vinicius dos Santos Cestari, que são os pais das meninas, retomaram, finalmente, sua vida na cidadezinha de apenas 3.264 habitantes, distribuídos em 482.506 km², na região de Presidente Prudente (SP).
Allana e Mariah nasceram unidas pela cabeça e, antes mesmo do parto, as meninas já eram assistidas por uma equipe multidisciplinar do HC.
O caso, extremamente raro, possui um registro a cada 2,5 milhões de nascimentos.
“É muito gratificante, a gente esperou muito por esse dia. A gente esperou essa data pra poder chegar aqui perto de todos que nos acolhem a todo tempo e perto da nossa família. Aqui é o nosso lugar”, disse a mãe das meninas, Talita Ventura Cestari.
“Agora uma nova história começa a ser escrita, cheia de fé”, complementou.
Já o pai, Vinicius dos Santos Cestari, não encontrou palavras para descrever o momento de felicidade.
“A cidade virou a família da gente. A gente não esperava isso. É muita emoção. A emoção tomou conta, com certeza”, afirmou.
“Daqui pra frente, é só viver e aproveitar cada minuto com todo mundo e com a família”, salientou ele.
O padre José Altino Brambilla conduziu uma bênção especial para marcar o retorno das meninas a Piquerobi.
“Bastante diferente, bastante especial, porque foi uma bênção sonhada por essa comunidade há muitos anos. Logo um tempo depois que cheguei aqui, em 2021, eu soube do caso das meninas e, assim que elas tiveram autorização do hospital pra vir aqui passar o Natal, eu fui visitar e conhecer a situação. Eu lembro que vi o sofrimento da mãe e do pai das crianças que não podiam participar de uma missa. Eu lá meditando falei: ‘Gente, dia de Natal, de manhã cedo, não vai ter missa aqui, vai ter à noite’. Eu falei: ‘Olha, a missa de Natal vai ser aqui na casa de vocês, com as meninas'. Então, juntou um pequeno grupo, porque o hospital pedia para não expor, e celebramos. Foi a grande alegria de poder celebrar a festa do nascimento de Jesus com elas, que na época tinham um ano e pouquinho. No ano passado, também, a missa de Natal foi na casa”, recordou o religioso.
“E quando as visitei em Ribeirão Preto eu falei: ‘Olha, a próxima missa não vai ser na casa de vocês, vai ser na igreja, e vocês vão participar lá conosco. Então, a gente sonhava com isso pelo bem delas, claro, em primeiro lugar, porque a preocupação era ocorrer tudo bem na cirurgia, elas chegarem com saúde. Não ficou nenhuma sequela da cirurgia. Pela felicidade dos pais, dos avós, dos amigos. A cidade se uniu em torno delas. Elas marcaram o coração dessa cidade e a ajuda que o pessoal fez. Então, foi um momento desejado porque é o retorno delas e agora elas ficam conosco definitivamente. Só fazendo o acompanhamento, os tratamentos”, pontuou Brambilla.
Luta pela vida
“Eu soube com 10 semanas de gravidez e, para nós, foi um período muito difícil devido ao pouco conhecimento que tínhamos. Havia poucos médicos na nossa região que sabiam lidar com isso. Inclusive, a primeira orientação que recebi foi para interromper a gestação”, relembrou a mãe das meninas.
Mesmo ouvindo respostas que não o agradavam, o casal não desistiu de lutar pela vida das filhas. Inicialmente, o acompanhamento foi realizado no Hospital Regional (HR), em Presidente Prudente. Em seguida, os pais largaram tudo na cidade natal, em Piquerobi, e percorreram quase 500 quilômetros em busca de apoio no hospital em Ribeirão Preto, referência nesse tipo de tratamento.
E foi lá onde eles ouviram, pela primeira vez, o choro das irmãs anunciando sua chegada ao mundo, em 9 de dezembro de 2020.
'Muita fé'
Desde o parto, as gêmeas foram submetidas a incontáveis processos cirúrgicos, como traqueostomias, neurocirurgias e plásticas reparadoras, além de exames clínicos, laboratoriais e de imagem, tudo com a mais alta tecnologia, na tentativa de separar as meninas e proporcionar-lhes uma melhor qualidade de vida.
Ao todo, foram quatro cirurgias até as cabeças de Allana e Mariah se separarem completamente. A cada ida ao centro cirúrgico, o coração dos pais ficava um pouquinho mais apertado, no entanto, sua devoção a Nossa Senhora Aparecida e a confiança que possuíam na equipe médica faziam com que tudo ficasse calmo.
“Nós sempre fomos pessoas de muita fé. Sempre entregamos tudo nas mãos de Deus. A cada cirurgia, eu ficava com medo, mas a equipe passava uma segurança muito grande, então, eu sabia que estava e ia ficar tudo bem”, ressaltou a professora.
A mãe sabia que não seria fácil, pois as filhas teriam de passar por uma bateria de exames antes e durante o tratamento, porém, nunca perdeu a fé.
A cirurgia final de separação das gêmeas craniópagas teve início em 19 de agosto de 2023 e terminou por volta das 8h do dia seguinte.
No centro cirúrgico, médicos, enfermeiros, instrumentadores e equipes de apoio protagonizaram uma técnica inédita: a utilização de células-tronco retiradas da bacia para a reconstrução dos crânios das irmãs, após quatro meses guardadas em um tanque de nitrogênio líquido, a uma temperatura de -196 graus Celsius.
Esse, sem dúvidas, foi um dia que marcou para sempre a história dos pais e de toda a família de Allana e Mariah.
“Cada vez que entregávamos elas para uma cirurgia, elas iam e voltavam na mesma maca. Nesse dia foi diferente. Ver elas saírem, cada uma em uma maca, separadas, foi marcante”, revelou a mãe, emocionada.
O desenvolvimento das irmãs depois do último procedimento foi algo que surpreendeu os médicos. Já se comunicando, as gêmeas deixaram o hospital, em Ribeirão Preto, após 52 dias da cirurgia final.
Gratidão
Os Cestari saíram de Ribeirão Preto na manhã deste sábado (26) e chegaram a Piquerobi no meio da tarde, onde foram recebidos pelos moradores da cidade, que prepararam uma celebração de boas-vindas.
Na ocasião, um ato de acolhida foi feito pelo padre José Altino Brambilla junto à comunidade. A família ainda percorreu as ruas da cidade em carreata sob a escolta da Polícia Militar e da Ambulância Municipal. A imagem de Nossa Senhora Aparecida acompanhou todo o percurso. O trajeto foi encerrado na Praça da Igreja Matriz de São Miguel Arcanjo, onde a família recebeu uma bênção.
“Meu sentimento é de muita gratidão por nossas filhas estarem indo embora com a gente, em nossos braços, com muita saúde, graças a Deus. Serei sempre grato por tudo o que fizeram pela gente não só em nossa região, mas também no Hospital das Clínicas, em Ribeirão Preto”, confessou o pai.
Para a família, que visitava os parentes e amigos somente em datas comemorativas, entre os diversos tratamentos médicos, ser recepcionada dessa forma, fazendo morada novamente em Piquerobi, significa muito.
“É uma realização, nós estamos muito felizes em poder voltar para casa com a Allana e Mariah junto da gente. Nós pedimos muito a Deus para que Ele nos concedesse essa volta, então, é muita felicidade, é gratidão, é uma mistura muito grande de sentimentos”, afirmou a mãe.
A partir de agora, um novo ciclo se inicia na vida das gêmeas Allana e Mariah, que darão continuidade ao tratamento na vizinha Santo Anastácio (SP). Elas devem voltar para Ribeirão Preto, de tempos em tempos, para realização de exames e acompanhamento médico.
Agora separadas, elas continuam unidas na persistência da luta pela vida.
Fonte: G1